Tela Preparada – Fernando Ticoulat, 2016

Publicado na ocasião da exposição Tela Preparada, na Sé Galeria.

Se houve um tempo em que havia uma experiência analógica e outra digital, hoje não há mais fronteiras entre elas. Ininterruptamente conectados ao virtual enquanto ainda vivendo no físico, a nossa realidade é composta pela sobreposição de ambas dimensões. Diante da abundância de estímulos imagéticos, não importa mais se o que vemos é real ou virtual, manipulado ou representativo, pois nesta condição híbrida todas as imagens são igualmente verdade e ficção.

A exposição Tela Preparada reúne trabalhos cujo ponto de partida é o interesse do artista Pedro Victor Brandão na crescente influência da tecnologia sobre nossas ações, emoções e formas de organização coletiva. Trata-se de uma investigação sobre a experiência humana contemporânea e as estruturas biopolíticas digitais que a rodeiam. Indo além, reconhece um novo paradigma tecnológico, em que a técnica deixa de servir como extensões protéticas de nosso corpo que apenas facilitavam o que o já éramos capazes de fazer. Fomos invadidos pela máquina e agora vivemos dentro dela: um espaço virtual onde nos projetamos e habitamos. Neste contexto, enquanto o artista questiona o estatuto da imagem, ele também explora o impacto da cibernética e das políticas de vigilância em massa e seus efeitos colonizadores no corpo e na psique.

Considerando as múltiplas maneiras que a internet molda nossos relacionamentos sociais e comerciais, Pedro Victor Brandão aborda com apurado espírito crítico as interfaces que mediam o vasto universo de zeros e uns, bits e bytes do espaço virtual. De nosso celular ao caixa 24 horas, mais do que mero dispositivos luminosos, tais interfaces (e o que reproduzem) são a maior forma simbólica de nossa era. Longe de serem livres de intencionalidade e consequências, estes artefatos, apesar de inanimados, criam determinados comportamentos. Cada ferramenta oferece aos seus usuários uma maneira específica de ver o mundo e interagir com os outros, de acordo com os valores e aspirações – benignas ou malignas – depositadas em cada uma delas.

Investigando as funções e possibilidades de telas sensíveis ao toque, softwares e aplicativos, em detrimento da ilusão e ludibriação das novas tecnologias, Pedro Victor Brandão estimula a conscientização do público acerca dos atuais mecanismos hegemônicos de controle e distribuição de imagem e imaginários. Ao mostrar o que não era visto, correlacionar o que não era correlacionado, o artista revela de maneira poética e perspicaz as insuficiências lógicas da máquina ao mesmo tempo que propõe formas de resistência a partir de seus próprios recursos, como um poderoso antídoto social. As ficções desta exposição não pretendem escapar o mundo, tampouco oferecer respostas ou um resultado final, mas apenas a articulação de novos enunciados que contribuem para a formação de um horizonte sensível fora do senso comum.